CONCEBIDA como um instrumento de incentivo à leitura, promoção da cultura e da cidadania, a biblioteca rural Arca das Letras está se consolidando em todos os municípios da região da Amures. A iniciativa do Colegiado de Desenvolvimento Territorial (Codeter), em parceria com as prefeituras, já beneficia mais de 2,3 mil famílias em mais de 30 bibliotecas rurais. Outras 52 estão em processo de implantação.
O coordenador regional do Codeter, Selênio Sartori, diz que o programa Arca das Letras foi criado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em 2003, para atender especificamente às comunidades rurais de agricultores, assentados da reforma agrária, pescadores, quilombolas, indígenas e populações ribeirinhas. "Em nossa região a meta é atender integralmente a demanda. Deflagramos o programa em 2007 e agora estamos entrando na terceira edição", explicou.
A coordenadora estadual do programa Arca das Letras, Lidiane Camargo, observa que a proposta é fazer o caminho inverso do acesso à literatura. Normalmente as crianças e adultos saem em busca de livros nas bibliotecas públicas, na sede dos municípios. Ou quando muito buscam nas bibliotecas das escolas. A Arca das Letras é uma biblioteca implantada na comunidade e gerida pela própria comunidade.
Nesta entrevista, Selênio Sartori e Lidiane Camargo revelam detalhes desse programa e como ele avança nos 18 municípios da Serra Catarinense:
CL: Como é essa arca em que os livros ficam como em uma biblioteca?
Lidiane Camargo: Veja bem, os livros são armazenados num móvel-biblioteca, denominado arca. A fabricação segue um padrão cuidadosamente organizado para receber o acervo inicial, que tem mais de 200 livros. Também é armazenado o material básico de trabalho do agente de leitura. Para os moradores dessas comunidades é difícil se deslocar até uma biblioteca na cidade e pegar um livro. Até a devolução é complicada, porque tem prazos. Assim os livros são disponibilizados lá na comunidade rural.
Qual é o déficit de bibliotecas rurais na região da Amures?
Selênio Sartori: Pelo último levantamento realizado, houve a demanda de 52 novas arcas para 13 municípios que apresentaram formulário. Deliberamos no Colegiado Territorial que dois municípios construirão as arcas com recursos próprios. É o caso de Urubici, que fará cinco e Urupema, que construirá uma arca. As outras 46 arcas terão de ser financiadas por alguma empresa ou instituição. Numa parceria do Ministério do Desenvolvimento Agrário com o Banco do Brasil estão sendo subsidiadas 20 arcas. Essas serão distribuídas igualitariamente aos municípios de acordo com a necessidade.
Há limitação de acesso à informação para quem mora no interior?
Lidiane: Sim. Imagine um agricultor que trabalha o dia todo, nos mais longínquos lugares, aonde vai encontrar um livro para ler ou se informar sobre a cultura que está plantando? Além do mais, o custo de aquisição de um livro não é muito barato. Daí a importância da Arca das Letras.
Mas os recursos são suficientes para construir todas as arcas demandadas?
Selênio: Não. Estamos em busca de apoio para mais 30 arcas e com isso atender a toda demanda do território. Ano passado o Sindicato da Madeira tinha disponibilizado matéria-prima para construir as arcas. Mas devido à crise do setor madeireiro a parceria ficou esquecida e corre o risco de não ser mantida. Até meados de novembro pretendemos estar com todas as 46 arcas construídas e até dezembro os agentes estarão capacitados e faremos um grande evento regional para a entrega das arcas, em data a ser definida.
As prefeituras têm sido boas parceiras neste programa?
Lidiane: Em vários municípios em Santa Catarina a prefeitura constrói a arca. O custo é baixo. Oscila na faixa de R$ 300 cada arca. Daí conseguimos os livros que são de literatura para jovens e adultos, literatura infantil, livros técnicos especializados, didáticos e de pesquisa, além de CDs, DVDs e fitas de vídeo. Os livros recebem o carimbo do Arca das Letras e ficha de devolução. Essa organização facilita o trabalho de controle e de pesquisa dos livros pelos agentes de literatura e pelos leitores. Dos quatro anos acima, há livros para todas as faixas etárias.
Qual município demanda maior necessidade de arcas na região da Serra Catarinense?
Selênio: Todos têm necessidade. Mas São José do Cerrito avança a largos passos com as bibliotecas rurais. Pleiteia 31 arcas, pois possui 42 comunidades rurais. Agora, é importante dizer que o que diferencia uma comunidade no aspecto do desenvolvimento em relação a outra é o acesso à informação. Foi provado isso numa tese de mestrado do professor Geraldo Locks, aplicada em São José do Cerrito. E mesmo nos casos de bibliotecas já consolidadas esperamos uma suplementação de acervo até o final deste ano.
Quantas Arcas das Letras já foram implantadas em Santa Catarina?
Lidiane: O programa foi lançado no Estado em 2005. E viemos avançando conforme as parcerias foram sendo efetivadas. Hoje, são 572 arcas. O maior exemplo está num município do Sul do Estado, onde a prefeitura construiu 20 arcas atendendo a todas as comunidades rurais.
Na Serra, qual é a maior dificuldade para implantar esse programa?
Selênio: Olha, o propósito desse programa, por incrível que pareça, é levar informação às comunidades rurais. E a maior dificuldade é a falta de informação e de conhecimento sobre o programa pelas autoridades e pessoas que podem ajudar na sua implantação. Mas aos poucos estamos superando essas barreiras.
Há como aumentar o acervo das arcas já consolidadas?
Lidiane: Só depende do número de leitores cadastrados. Numa localidade tivemos mais de 60 pessoas cadastradas e cada pessoa havia lido mais de dez livros. A ficha de controle mostrava isso. Neste caso temos o acervo complementar e até final deste ano vamos reforçar os acervos nas comunidades que já possuem sua biblioteca rural. Em Santa Catarina ainda temos 117 municípios que não possuem nenhuma Arca das Letras.
Como está o mapa da Arca das Letras na Serra Catarinense?
Selênio: Todos os municípios têm pelo menos uma biblioteca rural. Aos poucos, mais Arcas das Letras estão chegando às comunidades. O programa é bem acolhido pelas pessoas e creio que teremos um período de desenvolvimento e de análise crítica das coisas anterior às bibliotecas rurais e outro posterior. O que comprova o avanço do processo de cidadania e de formação humana propiciado pelos livros. Neste processo estamos apenas semeando uma semente da cultura.