HÁ EXATOS 245 ANOS, Lages começava a ser formada. Pelo caminho que ligava Viamão a Sorocaba, os tropeiros faziam paradas longas na região da Serra Catarinense onde aconteciam as primeiras trocas comerciais. Para contar a história da cidade polo da região, o comércio é ponto chave.
Essa atividade sempre esteve ligada ao crescimento da cidade seja nas vendas do que se produzia aqui como feijão, milho e gado, como nas compras de produtos trazidos pelos tropeiros, sal, fumo e açúcar.
Neste dia 22 de novembro, o Correio Lageano publica a primeira reportagem especial para resgatar a história e projetar as possibilidades de desenvolvimento. A série de reportagens que será publicada nas próximas edições inclui a origem do comércio, a contribuição de imigrantes para o desenvolvimento deste setor e os investimentos promissores para a cidade de Lages. Além das lembranças de quem acompanhou as mudanças ao longo dos tempos.
Os fatos históricos se juntam para construir Lages: o comércio das tropas e a vinda do bandeirante paulista Antônio Correia Pinto de Macedo para fundar a "Vila Nossa Senhora dos Prazeres das Lajens", em 1766. De origem portuguesa, o tropeiro e fazendeiro veio para defender a região da ocupação espanhola. O historiador e jornalista, Paulo Ramos Derengoski, afirma que Correia Pinto ordenou que os fazendeiros da região tivessem uma casa na vila para que o local começasse a crescer.
"Nesse período, o Rio Grande do Sul tinha sido invadido pelos castelhanos. O governador da Capitania de São Paulo, Morgado de Mateus, enviou Correia Pinto para a região", conta Derengoski. Ele conta que, desde 1722, o movimento das tropas já era muito intenso aqui. As tropas unificaram o Sul do Brasil com o Centro, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, onde se concentrava a riqueza. Essas tropas duraram 200 anos.
"Isso mostra que antes de Lages, quando ainda era Lajens, já havia comércio. Muitas dessas tropas invernavam aqui porque as caminhadas eram muito longas. Elas paravam em locais com água e pasto, geralmente na Coxilha Rica. Em torno dessas paradas, havia um comércio de abastecimento. O tropeiro não podia carregar tudo", explica Derengoski.
No livro "O Continente das Lagens", Licurgo Costa diz que há escassez de informações sobre os primórdios da indústria e do comércio lageanos. Essas atividades começaram por alguns moradores que se fixaram nos campos de Lages entre 1730 e 1740, depois da abertura da Estrada dos Conventos e dos tropeiros, que faziam paradas para a recuperação dos animais que iam de Viamão (RS) à Sorocaba (SP).
As interrupções duravam um ano ou mais, por isso as trocas comerciais entre moradores e tropeiros tornaram-se frequentes. Os tropeiros compravam animais crioulos de Lages como mulas, cavalos e burros. Também feijão, milho, charque e erva-mate. Com a fundação da vila, em 1766, teve inicio outro tipo de comércio: negociantes revendiam artigos vindos de outros lugares como sal, fumo, farinha de mandioca e açúcar.
O primeiro industrial e comerciante foi o fundador, Correia Pinto. Ele trouxe de São Paulo uma ferraria, montou um engenho para fazer farinha de fubá e de trigo; e uma olaria às margens do rio Carahá. "Um dos comércios mais intensos era o do couro de gado porque a carne não podia ser conservada. Era feito charque e o couro tinha muito valor porque se faziam os arreios, os cabrestos, as rédeas, as caronas e até indumentárias. Lages é uma das formadoras da civilização do couro, que também acontecia em outros locais como no nordeste e Rio Grande do Sul. Esse é o comércio pastoril. A mula para a tração, o gado para o charque e derivados", conta Derengoski.
Outros comércios como armazéns, bares com música, venda da erva de chimarrão, lã para fazer os pelegos e curtição de couro foram surgindo. A madeira surge muito depois porque "tinha tanta madeira que os fazendeiros mesmos faziam as casas", diz Derengoski.
O comércio e a cobrança de tributos
Em "O Continente das Lagens", há a descrição de documentos de 1801, em que o Sargento-Mor Comandante José Damasceno de Córdova, menciona a existência de quatro comerciantes para uma população total de 715 habitantes. Diz que por muitas décadas a indústria e o comércio de Lages não evoluíram.
Os industriais e comerciantes eram os fazendeiros que criavam cavalgaduras para vender aos tropeiros ou iam até Sorocaba. Mais tarde, eles se dedicaram à produção de charque e venda de couros. Mas as estradas para Laguna e Curitiba, principais pontos de escoamento da produção, eram ruins.
No período de 1800 a 1880, pedido de licença para explorar uma indústria na Câmara Municipal era raro. Quando acontecia, tratava-se de uma nova olaria. Em 1843, a vila contava com um sapateiro, Daniel Schmidt; e três comerciantes de "secos e molhados", de fazendas e quinquilharias: Joaquim Antônio, Manoel José de Andrade e Joaquim Dias de Moraes.
Nessa época o município começou a ser invadido pelos mascates que percorriam o interior vendendo joias e outras miudezas. Os comerciantes da Vila, que pagavam impostos, protestaram e a Câmara criou sanções contra os mascates que não pagavam licença para negociar.
A cidade era ponto estratégico do Estado. "Lages é uma das cidades mais tradicionais. Como era isolada, tinha que ser autossuficiente, não podíamos depender de viagens à grandes centros. A figura do mascate é muito forte ainda no século XX", diz o historiador Cláudio Silveira.
O mercado na praça
Num dia da semana, em geral no sábado, afluíam à praça das Cavalhadas, que depois passou a chamar-se "do mercado" e atual "Vidal Ramos Sênior". Vendedores de cereais, verduras, carne de porco, charque, pinhão, melancia de vários pontos do Município. O que levou a Câmara de Vereadores, em 6 de fevereiro de 1878, a marcar os sábados para a realização das feiras, e logo a cuidar da construção de um edifício, o Mercado Público", revela Licurgo Costa em "O Continente das Lagens".
Além das pessoas do interior que chegavam aos sábados com mercadorias, alguns comerciantes locais alugavam banca com artigos do litoral. Um açougue funcionava todos os dias da semana. "Era uma espécie de feirão. Ali se faziam as trocas e vendas que eram muito forte", diz historiador Cláudio Silveira.
Cerveja e vinho começaram a ser fabricados entre os anos de 1879 e 1883. Lages foi a quinta cidade catarinense a ter agência bancária, o Banco Nacional do Comércio, na rua 15 de novembro, atual Nereu Ramos, em 1918.
A riqueza a partir da madeira
Pode-se dizer que o Ciclo da Madeira na década de 1940, foi a época em que Lages produziu mais riqueza e era polo não só da Serra Catarinense como de toda Santa Catarina. A terra rica em araucária impulsionou a extração da madeira que se esgotou. Os investidores passaram a explorar outras regiões em que a matéria-prima ainda era forte e a riqueza não continuou a fazer parte do desenvolvimento de Lages. A partir da década de 1970 o setor madeireiro entrou em decadência, deixando para trás a época de ouro.
"Lages foi sempre, em Santa Catarina, o mais importante centro madeireiro, seguido de Curitibanos. A região de Lages e de Canoinhas têm como característica principal a produção de papel, celulose e madeira. Além da abundância do pinheiro, havia madeira como cambará, bugre, canela, cedro, laranjeira-do-mato, aroeira, abreúva, peroba, maçaranduba, tarumã, angico, imbúia.
No fim da década de 1940, a indústria madeireira tomou grande impulso em todo o município com a inauguração de serrarias movidas a vapor fornecendo madeira para o Rio Grande do Sul e diversas cidades catarinenses. A partir de meados desta década, a indústria madeireira passou a ter maior significação econômica que a pecuária", é a descrição de Licurgo Costa.
As pesquisas do autor revelam que, em geral, as serrarias trabalhavam apenas seis meses por ano, pela falta de compradores. A abertura da BR2, atual BR-116, ligando a região a Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro, foi o fator decisivo para a expansão do mercado madeireiro de Lages e Curitibanos. A exportação para países da Europa (Inglaterra, Alemanha e Espanha), ganhou impulso.
De acordo com Derengoski, na década de 1950, Santa Catarina concorria com 64% da madeira exportada pelo Brasil e a maior parte cabia a Lages, que deteve por anos, o primeiro lugar no Brasil como produtora de madeira de pinho. "E foi nesse período que a construção civil ganhou desenvolvimento no país.
A construção de Brasília recebeu de Lages uma contribuição para a concretização da ideia do presidente Juscelino Kubitschek, comparável ao do ferro ou do cimento empregados no levantamento dos seus imponentes edifícios. A madeira de Lages ajudou a levantar a capital brasileira", completa o historiador.
Houve a diminuição do número de serrarias pelo desmembramento em 1961 dos distritos que formaram novos municípios como Anita Garibaldi, Campo Belo do Sul e São José do Cerrito, onde a indústria madeireria é desenvolvida. Outros estabelecimentos foram transferidos para Mato Grosso pela abundância de matéria-prima.
Com o passar do tempo, Lages se tornou cidade polo com o estabelecimento do Ciclo da Madeira, a partir de 1940. Vieram imigrantes do Rio Grande do Sul, do sul de Santa Catarina, alguns do Meio-Oeste. "O comércio local se desenvolveu e a própria cultura. Passou a ser um grande centro comercial a partir de 1950. Os distritos eram muito dependentes do centro de Lages", diz Silveira.
"200 anos depois se descobre que a araucária era muito boa para construções, embarcações e dormentes. O primeiro salto da madeira começa a partir de 1940, quando as primeiras serrarias de colonos italianos vindos de Antonio Prado e Caxias do Sul, se estabelecem. Essa madeira era vendida e exportada para outros estados, com a construção da estrada de ferro ligando Rio Grande do Sul a São Paulo.
Lages como polo madeireiro
Em 1960 com a construção de Brasília houve uma grande quantidade de madeira própria para construção. Há um grande ciclo da madeira, se transformando num dos maiores centros da América do Sul", explica Derengoski.
A população cresceu muito, em 1940 não chegava a 50 mil habitantes. O homem do campo começou a sair das fazendas de gado para trabalhar nas serrarias. As araucárias diminuíram porque era permitido cortar todas as árvores. Ele diz que o ciclo foi terminando a partir de 1970, a pecuária continuou, surge então a plantação de pinus e eucalipto com indústria papeleira.
Tempos das vendas e armazéns
As vendas com garrafas de cachaça, rolo de fumo, velas de sebo, varal de charque e de toucinho eram comuns há cerca de 50 anos. Também os caixões para a farinha de mandioca, o café em grão, o feijão, o açúcar mascavo, o arroz. O balcão de madeira e a balança marcavam a distância entre o freguês e o dono. As casas de secos e molhados, os empórios e armazéns faziam parte da rotina da cidade.
O hábito "botar" na conta para pagar no fim do mês. Todos se conheciam e havia dificuldade de ter dinheiro miúdo. O jornalista Névio Fernandes conta que o comércio de Lages teve um grande incremento a partir de 1920 com a vinda de pessoas de outras cidades.
"Uma série de personalidades que vinham de Serra Abaixo, como era conhecida a região de Alfredo Wagner, Santo Amaro, São José, até mesmo de Florianópolis. Essas pessoas se empolgaram com o crescimento da cidade e fixaram residências aqui", diz.
Os nomes apontados são Veríssimo Galdino Duarte, proprietário da loja Santa Catarina, que ficava próxima ao terminal e ocupava quase uma quadra inteira. "Ao lado tinha o Mercado Municipal, essa Santa Catarina era muito tradicional e as pessoas do interior compravam tecidos e roupas lá", diz Fernandes.
De Oscar Schweitzer, ele diz que foi um influente homem de negócios. "Joca Duarte, avô do ex-prefeito Paulo Duarte, se instalou perto do terminal. Lá tinha o comércio mais forte de armazéns, vendia produtos coloniais. Cachaça e mel vinham lá da região de Alfredo Wagner. O comércio mais procurado era o do seu Joca Duarte. Ele sempre recebia as pessoas com chimarrão e café", lembra Fernandes.
Paulo Broering se estabeleceu no ramo alimentício e mais tarde foi para a área de automóvel e peças. Um dos primeiros revendedores de carros de Lages. "Essas famílias fizeram capital em Lages e se estabeleceram, formaram famílias", ressalta o jornalista.
Leontino Alfredo Ribeiro era o dono da Casa Paraíso, na rua Marechal Deodoro. "Em geral, esses comerciantes de outrora, os filhos trabalhavam juntos com os pais e depois com o tempo alguns foram criando seus próprios negócios. Quatro filhos de Leontino se instalaram com lojas. São pessoas que ajudaram Lages dar um grande passo", diz Fernandes. É ele quem diz que há a intenção de se criar um monumento para homenagear essas pessoas que ajudaram a elevar o comércio. São cerca de 30, segundo o jornalista.
A Galeria da Moda, onde hoje é a loja VF, na Correia Pinto, é uma das casas comerciais que ficaram conhecidas anos atrás. Fernandes conta que "se queria fazer um vestido ou uma camisa, comprava-se um metro e meio de tecido. Algumas coisas tinham prontas como colchas. Um comércio que foi muito popularizado", diz.
Não havia sistema de crediário, mas um ou outro abria uma exceção, tinha sua caderneta e anotava. "Pagava em um mês, não tinha prestação. Era na base de amizade. Os armazéns com caderneta, fazia um semi-rancho e eles anotavam", conta Fernandes. Ele afirma que não havia sacolas, os produtos eram embrulhados em papel e pesados em balanças.
Um costume dos comerciantes era dar um brinde aos clientes pela compra como uma xícara ou outro objeto qualquer. Para comprar bebida, não tinha engradado, tinha que levar a garrafa de casa. Entregava a garrafa e recebia outra. A cidade começou a mudar na década de 1950. "Aqui na praça teve a inauguração da loja Adones, a loja mais moderna que tinha na cidade. Fez sucesso porque era variada com brinquedos e joias. As lojas decoravam as vitrines para atrair a freguesia", conta Fernandes.
Ele é do tempo em que as pessoas costumavam sair para passear nos domingos à noite para ver as vitrines. "Meu pai e minha mãe me levavam muito para ver as vitrines. Pegava na mão, tinha que erguer no colo para olhar lá dentro. Muito interessante a vivência. Tinha o bazar, a Sapataria Moderna que era na Presidente Nereu Ramos, também a Casa Eduardo".
Névio Fernandes conta que não havia muitos restaurantes, era mais os lanches. "No calçadão tinha uma casa de baianos que faziam bolinhos, era uma atração, ia muita gente. Tinha do outro lado, na Hercílio Luz, um bar catarinense que faziam uma buchada, era muito cheio", diz. O bar Marrocos era o mais refinado. Mais moderno, com balcãozinho, como conta o jornalista. Quando acabava a missa na Catedral, às 19h, moças e rapazes disputavam assentos no bar. Tinha que aguardar lá fora, para entrar.
Antigas vendinhas
O Bar Palhano, no bairro Conta Dinheiro, funcionou na década de 1970. O proprietário Euclides Palhano ficou no comércio por 35 anos e, recentemente, deixou a profissão por problemas de saúde. A filha, Marlete Palhano, mantém objetos que fizeram a história do comércio da família. A artista plástica fez os primeiros desenhos atrás do balcão.
"Era um bar e mercearia. Na época não existiam supermercados, eram só bares. Era tudo a quilo. A gente sempre arrumava a mercadoria, tinha a pazinha para vender o feijão, o milho e a farinha. O balcão do doce eu preservei. Até hoje se eu escuto o barulho do baleiro me traz a infância", conta a artista.
No espaço agora funciona a escola de pintura de Marlete. Ela conta que sempre alguém lembra de quando fazia compras no bar. "Tinha a confraternização da família e dos amigos dentro de um bar. Hoje é tudo automático, é muito passageiro", lembra.
Compras feitas a cavalo
Na Praça João Costa, na rua Nereu Ramos, Marechal Deodoro e Correia Pinto se concentrava o comércio. "A Coronel Córdova não era muito comercial. Começou a partir de 1960 a ser foco de comércio de automóvel. Tinha loja de caminhões e máquinas. Perto do jornal era mais residências", diz Fernandes. Ele destaca a inauguração do Hotel Lages, em 1955, como sendo um ponto de crescimento para a cidade com gente vindo de fora para se hospedar.
Tenho saudade daquela época, uma cidade mais modesta, tinha apenas um cinema que era o Carlos Gomes, em 1947. Depois surgiu o Marajoara e o Tamoio, uma cidade menor e atraía o pessoal do interior que vinha fazer compras e frequentava o cinema.
Tinha gente que vinha a cavalo fazer compras de São José do Cerrito e Campo Belo para assistir ao cinema e amarrava os cavalos na Nereu Ramos", lembra Fernandes. As Lojas Pernambucanas foi o xodó da cidade em 1950 pelas blusas de inverno e acolchoados.
A construção do comércio local
No tempo de menino, o engenheiro agrônomo Affonso Maximiliano Ribeiro, lembra que ao redor da praça João Costa e da Praça do Mercado tinham casas comerciais. Sem sacolas e pacotes, os produtos que vinham do chamado Caminho da Ilha para as prateleiras e os outros bens como café, arroz e açúcar, eles colocavam em caixões grandes e vendiam quilo por quilo. O couro era muito usado desde antes da fundação de Lages e usado em artigos necessários à vida no campo até mesmo para utilizar os animais. Antonio Knoll de Souza ainda faz botas e arreios com o material.
Ribeiro se recorda de casas fortes, na praça João Costa. "Lá tinha também uma ou outra forte da família Costa. O fundador da casa era João Costa Ávila. Essas seriam as primeiras casas que eu conheci de armarinhos. Do outro lado da praça para cá, onde começa o calçadão Túlio Fiúza, tinha uma casa de secos e molhados. Vendia de tudo, espécie de supermercado", conta.
A padaria ficava no começo da rua Correia Pinto, "acho que única na época. Chamava-se Gato Pardo, era de Laurindo Borges. Com a vinda do pessoal do litoral para cá, começaram a surgir novas casas que vendiam produtos da região", diz Ribeiro.
Bebeto da Costa Ávila tinha uma casa grande e outra do Camilo Valente em frente ao Banco do Brasil. Do outro lado da praça, tinha do Estevão Freitas. Ele produzia farinha de trigo, de milho. Compravam produtos coloniais e vendia principalmente a farinha. Ribeiro afirma, que uma das primeiras sapatarias da cidade era de Otavio Freitas.
"Na metade do século passado, vieram de Serra Abaixo, de Santo Amaro, Angelina, eram várias famílias. O curioso é que o comércio estava sempre nas mãos de pessoas que vieram de fora, não me recordo de que tivessem muitos lageanos ou serranos envolvidos com a parte comercial, vieram as famílias Schweitzer e Duarte", revela Ribeiro.
Eles se instalaram e instalaram estabelecimentos mais equipados. "Agora me lembrei de um que era genuinamente lageano, seu Jango Arruda. Esse tinha uma casa comercial grande, mas me parece que comprou de Camilo Valente, de Palhoça", diz.
Ribeiro afirma que Jango Arruda começou com laticínio na fazenda, depois veio para a cidade, vendeu a propriedade e comprou um armazém, mas não permaneceu por muitos anos. "Esse fluxo de gente vindo do litoral, foi muito forte e dominou o comércio da região", afirma.
Ele diz que, Lages como outras cidades, era pequena e por isso não comportava uma comercialização mais intensa. "Lembro quando começaram a abertura das estradas rodoviárias, para Rio do Sul por exemplo, Lages deveria ter pouco mais de 15 mil habitantes. Estava isolada do resto do estado. Enquanto o litoral crescia, o interior estava estagnado porque era muito difícil a comunicação", diz Ribeiro.
Aos 93 anos, ele recorda que o pai morava na fazenda com a família e vinha à cidade a cavalo para resolver os negócios. Nessa ocasião ele trazia o cargueiro que fazia as compras nos mercados. "Sal, farinha e açúcar eram comprados em quantidades possíveis de carregar no cargueiro. Mais tarde um pouco, foi possível a vinda de carroça puxada a boi. Comprava um saco de 60 kg de açúcar, café em grão era torrado e moído em pilão em casa. Ele levava a quantidade que desse para um mês. Trazia queijo, manteiga da fazenda e vendia nas casas comerciais que ele abastecia", lembra.
O trabalho com o couro
Antonio Knoll de Souza viveu na Coxilha Rica e lembra que ainda criança, levava com o pai, porcos para serem vendidos no Morro Grande. Está há 40 anos trabalhando com o couro.
Aos 74 anos, conta que o bairro Santa Helena e Guarujá eram fazendas e era bem menor nos anos passados. "Eu comecei a trabalhar com isso porque fazia alguma coisa com trança de couro para usar no sítio. Isso lá não era profissão", diz.
Ele conta que era boa a profissão porque "naquele tempo vendia mais" e os sapatos já vêm de fábrica e não precisa fazer. "No início era bom, a gente vendia quantidade. Não tinha trator era só com carreta puxada por boi ou cavalo, aí precisava. Mas agora não", diz.
Souza faz arreios, botas e consertos com a ajuda de mais uma pessoa. O couro vem de Ibirama para ser trabalhado por Souza. Mas o que mais faz, é conserto de arreio. Quando o serviço era bastante, Souza ensinava o seu trabalho. "Ensinava para ajudar. Hoje, se aparecer um piazão para aprender, não vale a pena. Leva um dia para fazer dois pares de bota", completa.
O couro era matéria-prima para produtos
As famílias compravam os bens mais necessários, uma cama era feita de tiras de couro, colchão era de palha de milho. Cobertas de lã, "tudo material pego na fazenda", como diz Ribeiro. "Hoje se acha que Lages tem deficiências, deve ter, mas o progresso chegou por aqui também. Hoje talvez as pessoas que moram nas propriedades rurais têm o que há na cidade e produzem. Têm uma vida mais tranquila e farta. Nem tudo é ideal, mas é melhor do que acontecia no passado", ressalta Ribeiro.
Affonso Maximiliano Ribeiro foi o primeiro filho de uma família numerosa. Muito apegado à fazenda, quando terminou o curso de professor em Florianópolis "chegamos a conclusão de que eu deveria fazer agronomia", conta.
Com quase um século de conhecimento sobre a vida em Lages, "não gosto de me negar, não se constranja em simplificar, reduzir e aproveitar somente algumas coisas. Datas eu não me recordo", completa.
Fonte: CLMais/AMURES