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A Reforma Agrária que deu certo

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     O PRIMEIRO assentamento de famílias sem terras, com anuência do presidente Lula, em 2003, aconteceu na Serra Catarinense, mais precisamente em Ponte Alta.
Ele quebrou todos os paradigmas imagináveis de que este modelo de reforma agrária é um processo equivocado.
Antes da eleição que deu a Lula a vitória em seu primeiro mandato, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) havia constatado que os 528 hectares de uma fazenda, em Ponte Alta, não cumpria com a função social. A vistoria comprovou que as terras não eram exploradas com fins de obtenção de produtividade e estavam abandonadas do ponto de vista ambiental.
Em 20 de junho de 2003 nasceu o assentamento Anita Garibaldi. O receio de décadas de que os sem-terras chegariam à região serrana se confirmava. De fato e de direito ocuparam a primeira fazenda. Os pioneiros foram 32 famílias do acampamento São João Maria, de Curitibanos e na primeira semana de setembro daquele ano, mais 13 famílias de um acampamento de Campos Novos entraram nas mesmas terras.
Os cálculos do Movimento dos Sem-Terra (MST) foi quase preciso. Das 45 famílias que chegaram ao acampamento em cima de caminhão, uma não poderia permanecer no local. Faltou espaço físico. As áreas e banhados e de preservação permanente não foram consideradas no mapeamento preliminar e o Incra pediu a saída de uma família do acampamento. Restaram 44 famílias. E que estão lá, até hoje.
Os sem-terra sabiam que não poderiam falhar, nem frustrar na empreitada. Desceram dos caminhões com as lonas nas costas e o primeiro momento foi de organização.
Não bastou conquistar a terra, tinham de desbravar. O que mais assustou as valentes famílias, não foi o aparato policial nem os olhares de fúria e espanto de quem passava próximo do assentamento. Mas o absurdo número de formigueiros.
"Não foi fácil debelar elas", revela o coordenador do assentamento, Vilson Santin, lembrando que aquilo, era um indicativo da falta de manejo e o abandono da terra.
Cada família do assentamento passou a desfrutar de uma área média entre nove e dez hectares.
Os 528 hectares da fazenda foram divididos em quatro blocos e previram inclusive uma área de quase 140 hectares de reserva legal. Tudo com licenciamento ambiental. Os assentados do Anita Garibaldi passaram inclusive por um treinamento para pôr em prática o Plano de Recuperação Assentamento.
Uma área de quatro hectares foi deixada para ações comunitárias. É lá que funciona o campo de futebol, o centro comunitário e a escola. A organicidade de quando chegaram no assentamento ainda continua. Em cada um dos quatro núcleos criados com 11 famílias em média, tem um coordenador e uma coordenadora.
No assentamento, tudo corre dentro da comunicação dos núcleos. Desde uma festa comunitária até uma mobilização em prol de outros assentamentos fora do município. E desta forma o assentamento Anita Garibaldi se transformou em modelo ao País.

Assentados recebem título de concessão da terra

A concessão de uma área em assentamento não é um título definitivo de posse da terra. O imóvel estará sempre no nome da União. O assentado tem direitos e deveres bem específicos. E pode contrair financiamento em banco, como se tivesse a escritura da terra. Mas não pode vender a terra, apesar de que alguns maus assentados tentam, às vezes, negociar a terra de forma ilegal.
O que explica Santin é que a titularidade da terra está sob a tutela do Incra. "Nós defendemos que as pessoas têm o direito de ter terra para trabalhar e sobreviver. No momento que não quiser mais, tem de devolver ao Incra", diz. Em caso de eventual desocupação da terra por questões, por exemplo, relacionada a alagamento causado por barragem, a negociação é feita direto entre Incra e o empreendedor e não pelo assentado.
O contrato de concessão de uma terra permite que um ex-assentado possa retornar ao movimento. Mas sempre no final da fila, porque uma vez que abandona o assentamento, abdicou da posição privilegiada que ocupava. "Tem gente que tenta vender o direito de concessão. Isso é ilegítimo e imoral, porque depõe conta o movimento. Nossa luta é pela terra e não pela especulação financeira", reitera Santin.
Por conta do assentamento, mais de 60 famílias, pequenos produtores rurais, estão sendo beneficiadas em localidades externas. Pegam carona nos projetos e conseguem assim receber assistência e entregar a produção de forma integrada. "Hoje, há mais famílias fora em assentamento sendo beneficiadas, que dentro do assentamento", complementa Santin.
E são essas parcerias que fazem do Anita Garibaldi, um projeto piloto bem sucedido. Até porque, o trabalho social é um dos pontos fortes comprovados no assentamento.

Agricultura diversificada

A terra ociosa e improdutiva do assentamento Anita Garibaldi foi desmistificada com o passar dos anos. Em 2004 os assentados colheram amendoim, pipoca, batata-doce, mandioca, melancia, batata inglesa, milho e feijão.
"No dia 19 de novembro de 2003 fizemos o primeiro plantio foi para experimento. Deu para o gasto e ainda sobrou para vender. A produção de melancia cresceu tanto, que em fevereiro deste ano realizamos a festa da melancia no assentamento", conta Vilson Santin.
O assentamento Anita Garibaldi tem hoje cerca de 170 pessoas. E muitas crianças nascidas dentro do assentamento.Carregam no sangue o DNA de uma geração produto de uma conquista histórica. E tudo no assentamento é planejado. A produção de hortaliças e principalmente, a produção de leite e o plantio de moranga e abóbora. A piscicultura e a fruticultura também estão muito presentes. Assim como a produção de aves, pequenos frutos, suínos e a pecuária.
"A missão do assentamento é a produção de alimentos, em quantidade e qualidade. É a autossustentação das famílias", indica Santin. A diversidade de produção é o que tem garantido a vida dos assentados. Só no aspecto pecuária já são pelo menos 500 animais entre gado leiteiro e de corte.
Há três anos, os assentados entregam produção ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). E ainda promovem a intercooperação com outras comunidades incentivando a produção agrícola. O mais novo desafio dos assentados é a Cooperativa Regional Agropecuária Terra Livre (Coopertel) que tem como meta processar 500 toneladas de moranga e abóbora.
A fábrica tem 10 mil metros quadrados e atenderá mais de 100 famílias de assentados. E em breve, uma filial da Coopertel será implantada em Caçador, com foco para industrialização do tomate, segundo Santin.

Coxilha Rica na mira dos sem-terra

Um dos maiores defensores da Coxilha Rica, o procurador da República, Nazareno Jorgealém Wolff, admite que aquela imensa área não está imune a uma possível ocupação de assentamento. Há duas semanas, o superintendente do Incra em Santa Catarina, João Paulo Strapazzon, declarou que um grande assentamento acontecerá, ainda este ano, na Serra Catarinense.
E os proprietários de terras na Coxilha Rica não escondem a preocupação. Entre eles, Nazareno Wolff, que é proprietário rural naquela região. Pela avaliação de produtividade das terras feita pela União, grande parte da Coxilha Rica poderia ser declarada de utilidade pública.
Bastaria um decreto presidencial e o ingresso de ação de desapropriação pelo Incra e a confirmação de sentença judicial para que a Coxilha Rica deixasse de pertencer aos fazendeiros. Há tempos, Nazareno Wolff defende atenção especial a Coxiha Rica. E faz sentido a preocupação, pois dentro dos padrões atuais de produtividade, as propriedades, na sua maioria, não alcançam os índices de produtividade que barraria uma possível desapropriação.
Por outro lado, tornar a Coxilha Rica produtiva exigirá o emprego de mecanização, o que levará a descaracterização da paisagem existente no local, que é singular.
"Essa conversão de paisagem vai de encontro aos interesses de preservação do meio ambiente, paisagem, patrimônio cultural e arquitetônico. Há dois interesses públicos que se contrapõem", observa Nazareno Wolff.
Ele deixa claro não ser contra a produção de alimentos. Mas observa que, no caso a Coxilha Rica, o local não é adequado para assentamento. E a proposta que defende é transformar a Coxilha numa Área de Proteção Ambiental (APA) e tornar viável a exploração econômica sem agredir a natureza. "Além da exploração de gado que é feita, temos de incentivar a exploração do turismo", sugere.
A vulnerabilidade da Coxilha Rica, só não é maior, porque possui acessos muito precários e não existe meios de comunicação. Outro fator que depõe em favor dos campos da Coxilha é que há um processo no Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional (Iphan), que pleiteia a proteção daquela área.
E qualquer eventual empreendimento na Coxilha, até mesmo floresta de pinus, tem de ter a anuência do Iphan. A implantação das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e da usina Pai Querê, podem abrir caminho a um possível assentamento na Coxilha Rica.
Enquanto essas condições não se estabelecem, o projeto de engenharia da futura APA está sendo remodelado e será apresentado à comunidade. O projeto de Lei que criará a APA será votado em breve na Câmara de Vereadores e se rejeitado, será representar a sentença de abandono da Coxilha Rica.

Mais de 100 quilômetros de corredores de taipas intactos

É provável que Lages não existisse, ou pelo menos é certo que não seria hoje uma bem estruturada cidade de 170 mil habitantes, se não fossem as qualidades das pastagens e a quantidade de água cristalina e rasa existentes naquele complexo de colinas situado na margem direita do Rio Pelotas.
Antes chamado rio de San Andre ou Rio do Inferno Grande, na altura de onde os tropeiros e bandeirantes descobriram um local mais ou menos propício para atravessá-lo, denominado depois de Passo de Santa Vitória ou Passo da Guarda.
Segundo os geólogos, foi uma sequência de derrames de rochas vulcânicas, acontecidos há cerca de 70 milhões de anos, que pela sua acidez, mesmo após a solidificação impediram a formação de matas densas como havia na maior parte do Brasil e deram a essas características a alguns pontos localizados.
A Coxilha Rica ainda possui mais de 100 quilômetros de corredores intactos e uma malha gigante de taipas de delimitação e divisão de fazendas, cuidadosamente montadas sobre as colinas cobertas com o tapete de capim verde. E nesse contexto que Nazareno Wolff defende a criação da APA Coxilha Rica. Ela objetiva a valorização e a preservação de seus patrimônios naturais, culturais, paisagísticos e arquitetônicos.
Com isso, o estímulo às atividades agropecuárias assegurando a sustentabilidade do uso dos recursos naturais, o controle das pressões urbanizadoras, o desenvolvimento e apoio ao ecoturismo a educação ambiental e a elaboração de estudos e pesquisas.
Um dos primeiros homens a adotar voluntariamente a Coxilha Rica como lar definitivo foi o filho de portugueses, Laureano José de Ramos, que emigrou de São Miguel (atual Biguaçu). Teve nove filhos e logo os ajudaram a comprar as fazendas vizinhas.
Com a morte de Laureano, Vidal, um dos filhos fixou residência na sede da Guarda-Mor e tornou-se o representante do imperador Dom Pedro II na região, sendo nomeado tenente-coronel da Guarda Nacional e chefe do Partido Conservador.
A família Ramos comandou por muitos anos os campos da Coxilha Rica e em 1968, Áureo Vidal, o "Nuta", herdeiro da sede da fazenda, viria a também ser eleito prefeito municipal de Lages, tornando-se o último Ramos a ocupar um cargo público.

A maior área despovoada do Estado

A Coxilha Rica é a maior área rural despovoada de Santa Catarina. Possui 42% do território de Lages e é maior que a maioria dos municípios do Estado.
Possui área de 1.135 quilômetros quadrados e pouco mais de 200 habitantes. São 5,6 habitantes por quilômetro quadrado. Nos limites da Coxiha Rica estão apenas 87 proprietários rurais. É o que revelam os primeiros dados do diagnóstico que será apresentado à comunidade.

Proposta é criação de APA com 112 mil hectares

A Área de Proteção Ambiental – APA – Coxilha Rica, abrange um território de aproximadamente 112.000 hectares. Sua vegetação integra parcelas de duas regiões fitoecológicas: a Floresta Ombrófila Mista (Floresta de Araucária) e a Estepe (Campos Gerais Planálticos).
O nome "coxilha" dá-se ao fato de a região ser formada por uma planície ondulada a perder de vista devido a sua declividade, pouco acentuada. A região é uma península, formada pelos rios Lavatudo, Pelotas e Pelotinhas, encerrando um complexo de colinas revestidas com capim rasteiro, verde, mimoso e denso, em meio às matas de Araucárias.